loading...

Portugueses, quem não queria uma adolescencia destas?

Foto: Alice Alfazema

De vez em quanto visito o sítio onde, na infância e adolescência vivi e convivi com o meu grande amigo: o meu bisavô paterno.

Hoje naquele sítio está um monte de betão armado, a substituir aquele casal (pequena quintinha) dos meus avós paternos, onde as recordações submergem, quase todos os dias.

Se fosse adulta, na época, teria comprado aquela propriedade.

A começar tinha a casa de habitação, chamada por todos de “casa grande”. Tinha três grandes quartos, uma casa de jantar, uma sala grande, um pequeno corredor, a casa de costura e uma grande cozinha, que não era utilizada, cheia de prateleiras com frascos de cocas, geleias e compotas, réstias de cebolas e alhos e uma chaminé com um pequeno fogão a gás. Encostada a uma das paredes uma mesa, que quase nunca era utilizada.
À saída da cozinha, mesmo em frente outra cozinha (chamada cozinha velha que efectivamente era mais nova que a outra). Aí tinha um grande fogão a lenha, com caldeira de água, uma mesa no meio e a um canto uma grande arca (que hoje está na minha sala) e onde os meus pensamentos vagueiam, sempre que olho para ela.

Servia para guardar os legumes secos e também o pão que era cozido semanalmente em casa (o genuíno pão caseiro) pão de trigo, de milho, de centeio (o pão escuro como era chamado). Ao lado os potes de barro, com azeitonas e carne de porco salgada. Na chaminé os belos presuntos e enchidos.

Na rua, entre a cozinha velha e a nova um corredor em cimento que, de um lado dava para um dos portões de saída e do outro um pequeno portão para o quintal. No lado da cozinha velha, dividido por rede de arame o galinheiro e coelheiras. Aqui uma recordação: um dia lembrei-me de ir buscar os ovos (o que era hábito diariamente), com um cestinho na mão. Um galo não gostou e picou-me a cabeça.

À entrada do quintal a grande eira, onde os homens malhavam o grão, o feijão e se desfolhava o milho. Encostada a uma das paredes da casa uma série de roseiras, quase de toda a qualidade, pois eram a predilecção da minha avó.

Em frente uma velha nogueira que dava nozes para o consumo da casa e para vender. Foi aí que o meu avô mandou colocar um baloiço rudimentar, a pedido do meu avô velho (assim chamava ao meu bisavô).

À direita uma parreira, com uns banquinhos de madeira por baixo, onde eu adorava estar (a ler claro). Logo em frente uma pequena casa, onde confortavelmente habitava a burra, que era a companheira do meu avô e que se baixava quando ele a montava. Seguidamente a chamada “cortelha” dos porcos. Em frente os palheiros, onde se guardava a palha. No final o portão grande, como lhe chamávamos.

Na parte de fora entre a casa e a oficina de ferrador do meu tio (meio irmão do meu pai), havia a adega, com dois grandes depósitos em cimento e vários barris. Tinha tudo o que era necessário para fazer o vinho. No centro da adega uma velha mesa onde faziam as “patuscadas”, com amigos que apareciam e que normalmente para desgosto da minha avó (que não gostava muito de dar) saíam sempre carregados de víveres, desde galinhas ou coelhos, doces, batatas etc. Claro que, de vez em quando esses amigos por lá apareciam. Desde tiro ao alvo a sessões de acordeão, tudo por lá se passou.

E as lembranças vão andando, como a água num regato, umas boas, outras não tão boas. Já me esquecia do terreno, com toda a espécie de árvores de fruto e horta, com um grande poço de água no meio.

Passeio vagamente pelos pensamentos e acho que, no meio disto tudo, havia deficit de carinho, de amor, de companhia, de compreensão. Acho que não havia tempo. Tive tudo isto do meu avô velho.

Vagueio no tempo, passado e presente, e muitas vezes pergunto-me: será que fui e sou exigente demais para com os outros? Será que me devia de contentar com o que tinha e que tenho? Francamente não sei responder. Mas aquele lugar continuará sempre na minha cabeça.

E termino assim:

Saudades, tenho saudades

Do tempo em que não sabia

Que essa palavra saudade

Tanta saudade fazia

Escrito por Maria Cruz
Portugueses, quem não queria uma adolescencia destas? Portugueses, quem não queria uma adolescencia destas? Reviewed by Emotiva Memória on 18:51:00 Rating: 5
Com tecnologia do Blogger.